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Oscars 2024: Com 8 indicações, Barbie é ”esnobado”. Isso deveria ser realmente importante?

ARTIGO

Guilherme Milek

1/24/20248 min ler

Oscars 2024: Com 8 indicações, Barbie é ”esnobado”. Isso deveria ser realmente importante?

25/01/2024 - Por Guilherme Milek

Hollywood vive uma crise ocasionada por diversos fatores, dentre eles a ascensão do streaming, polarização política, orçamentos estapafúrdios, popularização de universos compartilhados. Mas todo início de ano há uma tradição: sempre pipocam críticas ao Oscar assim que os indicados são anunciados. A Academia, por sua vez, percebendo a perda em popularidade e relevância que já teve, promove uma tentativa de conciliar simultaneamente as demandas por mais qualidade e mais filmes, tentando reconquistar o público e manter sua relevância.

Para tal, a Academia tem promovido mudanças nos últimos anos, desde a inclusão anual e cada vez maior de votantes internacionais, até a obrigatoriedade de dez indicados na categoria principal de Melhor Filme. Esse movimento, inicialmente, em teoria era para expandir a diversidade de filmes na categoria com a inclusão de documentários e animações, o que, obviamente, não aconteceu.

Hoje, aproximadamente 40% do corpo de membros é internacional e, de modo geral, os resultados são visíveis: tem sido mais frequente a inclusão de filmes populares na categoria principal, bem como de estrangeiros ou menos favorecidos de campanha. Em 2024 não foi diferente, apesar de algumas bizarrices e da óbvia impossibilidade de incluir todos. Ainda assim as pessoas, principalmente nas redes sociais, são incapazes de compreender que, pela categoria principal comportar dez nomes e as demais categorias comportarem apenas cinco, o favorito delas talvez acabe ficando de fora.

O caso desse ano é Barbie (2023). O filme de Greta Gerwig, baseado na boneca mais famosa do mundo, passou de motivo de desconfiança e piadas a um fenômeno cultural estrondoso com apoio massivo do público e da crítica, conseguindo unir certa autoralidade às preocupações de executivos e criando um híbrido contraditório, mas interessante. E tudo isso embalado em duas horas de diversão com uma vibe pop que beira acertadamente o cartunesco. Com US$1.5 bilhão arrecadados nas bilheterias e prestígio nas premiações, já é o suficiente para colocar o filme acima da maioria dos blockbusters estadunidenses. Entretanto, aparentemente, oito indicações ao maior prêmio da indústria do mundo não são o suficiente, já que as acusações de esnobe e machismo não param de crescer.

Ao longo da tarde de ontem, a grande mídia e um público enfurecido acusaram todas as gerações dos votantes de misoginia. O motivo? As indicações da canção I’m Just Ken em Melhor Canção Original e Ryan Gosling em Ator Coadjuvante, porém deixando Margot Robbie e Greta Gerwig sem indicações para atriz e direção. É uma espécie de histeria coletiva que nem o próprio filme promove, já que ele age com uma natureza conciliadora não apenas entre arte e produto, mas também como um grande sarau do DCE sobre a importância da empatia e da equidade de gênero, passando muito longe dessa polarização raivosa que tem rondado toda a temporada de premiações.

Vamos começar pelo caso de Robbie: a australiana já foi indicada duas vezes nos últimos anos como atriz pelo mediano Bombshell (Jay Roach, 2019) e pela cinebiografia I, Tonya (Craig Gillespie, 2017). Ontem, ganhou uma terceira indicação como produtora por Barbie em Melhor Filme. Ela, com toda certeza, foi barrada da categoria de atriz principal por outras cinco mulheres, portanto, não existe lógica na narrativa que pressupõe que Robbie e Gosling disputavam diretamente por uma vaga de atuação e o “patriarcado venceu”. As categorias de coadjuvantes não foram particularmente fortes esse ano, com uma quantidade relativamente limitada de performances de grande destaque para os padrões da indústria, algo que possibilitou não apenas a entrada de Ryan Gosling, mas também de America Ferrera na competição. Já as categorias principais estavam abarrotadas de nomes em potencial, o que eliminou alguns queridos do público: Margot Robbie não entrou na categoria de atriz, assim como Leonardo DiCaprio, um nome ainda mais consolidado, não foi indicado em Melhor Ator por Assassinos da Lua das Flores (Martin Scorsese, 2023).

Quando analisamos a categoria de direção, a situação é um pouco mais complicada, já que é histórica a aversão da indústria à minorias desde sua criação. Nos 95 anos de história do Oscar, apenas oito diretoras foram indicadas, e dessas, apenas três venceram, todas nos últimos 15 anos. Dito isso, é possível reconhecer um problema histórico sem ser anacrônico e se negar a enxergar uma mudança lenta mas real desde a reforma de membros: cinco das oito indicadas foram nomeadas nos últimos 6 anos, e duas das três vitórias foram nessa década. Na lista, inclui-se a própria Greta Gerwig, nomeada como diretora e roteirista em 2018 pelo seu filme de estreia, Lady Bird.

Sendo assim, são no mínimo questionáveis vários dos argumentos sobre a necessidade da inclusão de Greta Gerwig em direção se resumirem ao fato dela ter criado um fenômeno cultural, afinal como a rapper estadunidense Azealia Banks já pontuou: ”ninguém chama o McDonalds de alta gastronomia só porque eles vendem mais sanduíches”. As acusações de boicote chegam a ser risíveis, já que Gerwig, sozinha na cadeira de direção há apenas 7 anos, dirigiu três filmes e já possui quatro indicações ao Oscar. Então, o argumento de que ela fez história no cinema com Barbie - fora seu sucesso comercial, não fez, e mesmo assim foi boicotada, é uma falácia. Greta Gerwig já foi indicada com um filme muito menor, mesmo caso de Justine Triet nesse ano, diretora do francês Anatomia de uma Queda (2023), que ganhou indicações superando o boicote político do próprio país de origem.

A questão então não é que mulheres quebram recordes de público e mesmo assim são ignoradas, e sim que com a obrigatoriedade de dez indicados a Melhor Filme, ano após ano temos blockbusters prestigiados na categoria principal sem chegarem à categoria mais concorrida: Melhor Direção. Barbie é apenas mais um nessa lista. Com a narrativa de salvação do cinema, também utilizada para a campanha de Gerwig, é engraçado notar que todo ano o cinema precisa ser salvo por um filme americano fazendo bilhões de bilheteria. Duna (Denis Villeneuve, 2019), Top Gun: Maverick (Joseph Kosinski, 2022) e Avatar: O Caminho da Água (James Cameron, 2022) também chegaram no famigerado dia de indicações na mesma situação que o filme da Mattel.

Por mais que o Oscar se venda como uma grande celebração mundial dos filmes, ele é, como disse o Bong Joon-Ho, um prêmio da indústria local. Portanto, a busca por qualidade não é a única métrica para vitórias e as narrativas são cada vez mais importantes. Ainda assim, quase toda categoria tem o seu próprio grupo específico de votantes, e alguns estão menos alinhados com a ideia de prestigiar filmes-produtos às custas de outros filmes de menor visibilidade ou de maior liberdade artística, que é o caso da ala de direção.

Esse ano, os indicados foram Christopher Nolan, apenas em sua segunda indicação em três décadas de carreira, por um drama sobre os efeitos da guerra num momento onde testemunhamos genocídios e massacres diariamente na televisão; Martin Scorsese, pelo altamente discutido Assassinos das Luas das Flores, tratando sobre genocídio indígena e apagamento histórico; já as demais vagas ficaram com o combo dos grandes vencedores dos festivais de Cannes e Veneza: a francesa Justine Triet por Anatomia de uma Queda, o inglês Jonathan Glazer pelo filme em língua alemã Zona de Interesse (2023), e o grego Yorgos Lanthimos por Pobres Criaturas (2023). Ficaram de fora o mais tradicional Alexander Payne por Os Rejeitados (2023), Celine Song por Vidas Passadas (2023) e o filme de Greta Gerwig sobre a vivência feminina de uma boneca mundialmente famosa.

Apesar da temática relevante e do feito da Greta Gerwig ter inserido sua alma e discussões relevantes sobre a vivência feminina num filme como esse, Barbie ainda é, no fim das contas, um produto, provavelmente responsável por iniciar - mais um! - o universo cinematográfico compartilhado da Mattel. Mesmo levando em consideração seus temas, dois dos filmes indicados à melhor direção também tratam sobre questões de gênero, inclusive o de Triet. Sendo assim, qual é exatamente o grande diferencial que fez Barbie ser único, por que exatamente um público raivoso exige que ele deveria receber indicações que outros filmes com o mesmo intuito de se tornarem franquias como Duna, Top Gun e Avatar, não receberam?

A resposta provavelmente é que Barbie é mais um caso de marketing onde empresas convencem o público de que o apoio cego ao seu produto é estar do lado certo da história, é lutar efetivamente pela igualdade, é algum tipo de posição revolucionária contra ataques a grupos minoritários. Nessa lógica, a exclusão em apenas duas categorias relevantes de um filme sobre a boneca mais vendida da história com oito indicações ao Oscar se torna uma representação da misoginia que afeta a todas as mulheres, mesmo as que nada tem a ver com Hollywood, e mesmo que o filme seja o quarto mais indicado do ano.

Existe uma discussão relevante a ser feita sobre até que ponto é certo que a ala de diretores consistentemente prioriza filmes mais distantes dos blockbusters, mas em última instância, o maior filme do ano precisa mesmo ser indicado em todas as categorias principais para manter seu valor? Estar presente na categoria principal com sete indicações adicionais me parece um reconhecimento justo de que é um filme diferenciado. A raiva das pessoas não parece vir de uma preocupação genuína com um possível elitismo ou machismo da categoria, e sim de uma frustração ao ver sua torcida não ser reconhecida em tudo, o que ironicamente reduz o filme ao seu sucesso e a possível indicação de sua diretora e protagonista a uma questão social que soa tão rasa quanto o monólogo de America Ferrera no filme.

Também há uma discussão a ser feita sobre o Oscar não conseguir indicar mais de uma mulher por ano na categoria de direção. É um incômodo justo e Celine Song ou Sofia Coppola poderiam estar em uma dessas vagas ao lado de Justine Triet caso tivessem mais campanha. Ainda assim, a revolta nas redes sociais não é por esses nomes e seus pequenos filmes, é pela ausência de Greta Gerwig e seu filme bilionário.

Mary McNamara, jornalista do Los Angeles Times, dedicou-se a escrever um artigo onde ironiza que se a Barbie fosse uma sobrevivente de genocídio, como a personagem real interpretada por Lily Gladstone em Assassinos da Lua das Flores, talvez a Academia teria reconhecido - mais ainda - o filme. Isso já diz muito sobre a realidade paralela dessa histeria. As pessoas não estão preocupadas com atrizes estrangeiras quebrando barreiras linguísticas e sendo reconhecidas, ou com Gladstone se tornando a primeira estadunidense indígena indicada. Nem mesmo com Triet sendo celebrada com um filme que americanos tiveram que assistir legendado. Aparentemente a vitória do feminismo é se destacar dentro do capitalismo, fazer uma versão reducionista e palatável de um feminismo que soa excludente quando analisada mais profundamente e convencer bilhões de pessoas que o insistente reconhecimento em todas as áreas deste feito comercial seria o ápice da representatividade. A maior prova disso? Hillary Clinton, criminosa de guerra, veio a público lamentar as oito indicações ao dizer que mulheres são bem sucedidas e não são reconhecidas por isso.

No fim das contas, ambas Greta Gerwig e Margot Robbie tiveram seus trabalhos reconhecidos e foram indicadas ao Oscar pelo filme, ganharam acesso a orçamentos e oportunidades para futuros projetos que 99% dos diretores apenas sonham dentro da massacrante Hollywood. E ainda lucraram quantias astronômicas pelo sucesso do filme. Elas estão bem e irão ficar bem, tudo isso enquanto um batalhão online as defendem como grandes vítimas de uma premiação que as têm indicado constantemente ao longo da última década. Com Barbie sendo um triunfo capitalista, dificilmente Gerwig ou Robbie realmente estão se importando com essas duas categorias, e sinceramente, nós reles mortais também não deveríamos. Afinal a indústria pode até tentar nos levar à acreditar, mas a misoginia não deixaria de existir se Barbie tivesse suas almejadas catorze indicações.

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